Uma declaração recente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reacendeu o debate nacional sobre os limites da regulação de redes sociais e os riscos à liberdade de expressão. Durante um pronunciamento oficial, o chefe do Executivo revelou ter solicitado ao presidente da China, Xi Jinping, o envio de um especialista de confiança para auxiliar o Brasil na formulação de políticas de regulação digital. A iniciativa foi imediatamente interpretada por diversos setores como um possível aceno a um modelo de controle mais restritivo, nos moldes do adotado pelo regime chinês.
Na China, o ambiente digital é rigidamente monitorado pelo Estado, com restrições severas a conteúdos considerados sensíveis e censura a manifestações críticas ao governo. Plataformas globais como Google, Facebook, X (antigo Twitter) e YouTube são bloqueadas, sendo substituídas por versões nacionais, todas sujeitas à fiscalização direta do Partido Comunista Chinês. A importação de uma lógica similar para o contexto brasileiro desperta preocupação entre especialistas, parlamentares e entidades da sociedade civil.
Especialistas veem risco de influência autoritária
O professor de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), Carlos Affonso Souza, expressou preocupação com o pedido do presidente brasileiro. Em entrevista ao programa WW, da GloboNews, o jurista destacou que o Brasil possui autonomia institucional e jurídica suficiente para construir uma regulação própria, ajustada à sua realidade democrática. Para ele, recorrer a um país com histórico de censura pode comprometer um debate técnico e plural, essencial para a criação de um marco regulatório eficaz e equilibrado.
“Buscar inspiração em regimes autoritários pode minar o esforço por uma regulação transparente e voltada para a proteção dos direitos fundamentais”, alertou o especialista.
Reações políticas
Parlamentares da oposição foram rápidos em criticar a iniciativa. Para eles, a tentativa de importar modelos de controle estrangeiros pode configurar um disfarce para censura política. Destacaram que, nas redes sociais, onde o embate de ideias é mais livre e dinâmico, a esquerda frequentemente enfrenta maior resistência, o que tornaria o controle dessas plataformas um interesse estratégico.
O tema da regulação digital já se encontra cercado de tensão, especialmente diante do impasse legislativo. Propostas como o Projeto de Lei das Fake News (PL 2630/2020) seguem travadas no Congresso, sem consenso entre os parlamentares. Já no Supremo Tribunal Federal, ações sobre o tema estão paralisadas desde o fim de 2024.
Liberdade de expressão em xeque
O debate sobre regulação das plataformas digitais envolve múltiplas dimensões, desde o combate à desinformação até a prevenção de crimes como racismo, discurso de ódio e incitação à violência. No entanto, qualquer proposta que afete o funcionamento das redes sociais precisa respeitar os princípios constitucionais da liberdade de expressão e da pluralidade de ideias.
Entidades como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já se manifestaram em ocasiões anteriores contra projetos que concentrem poderes regulatórios no Executivo, defendendo mecanismos que combinem transparência, controle social e proteção aos direitos individuais.
Caminho exige equilíbrio e protagonismo interno
A proposta de regulação das redes sociais é, indiscutivelmente, uma pauta urgente. No entanto, analistas apontam que a condução do processo deve se basear em princípios democráticos e na realidade institucional do Brasil. A busca por soluções externas, especialmente de países com histórico de repressão digital, pode comprometer a legitimidade e a eficácia de qualquer marco legal.
A expectativa é que o governo federal retome o diálogo com o Congresso e a sociedade civil de forma mais transparente, promovendo uma regulação que combata abusos sem abrir margem para a censura. A liberdade de expressão, embora não absoluta, é pilar de qualquer democracia saudável — e sua proteção deve permanecer no centro do debate.